Há o amor que sentimos, o que sofremos e o que vivemos.
Do amor que sentimos pouco há a dizer. Está lá, acompanha-nos sempre, modula-nos as acções, a voz, as entoações, o olhar, a frequência cardíaca, o tónus muscular, o diâmetro das pupilas; faz-nos sorrir ao tirar um cabelo do rosto, ao ver um anúncio, ao ouvir uma música. Torna-nos nós.
O amor que sofremos é um pouco mais complicado. Sofremos com ele, por ele e para ele. Se sofremos por ele às vezes deixa marcas que podem nunca sarar e, se mal tratado, torna-se numa fonte de ódios e mesquinhez, num buraco no qual caímos sempre ao mínimo conflito, na pedra que nos faz tropeçar over and over again sempre no mesmo sítio, mesmo quando já não está lá. Torna-se numa desculpa para as nossas fraquezas, um álibi das más acções, um "eu só sou assim porque…". Deixa de ser amor, cicatriz ou fantasma do que foi e torna-se no nosso próprio mito individual, ao qual recorremos à falta de melhor desculpa ou quando o pé da coragem nos escorrega no abismo de não assumirmos defeitos.
Já o amor que vivemos - ah, esse! - esse sim, dá-nos tudo. A força, a coragem e a frontalidade; dá-nos o nosso melhor e protege-nos do nosso pior. É feito de grandes gestos, às vezes, mas sobretudo das pequenas coisas do dia a dia, da partilha, do "só para saberes que estou aqui ou que pensei em ti". É feito de estar lá sempre, incondicionalmente, mesmo sem fazer nada; é chorar juntos e é não precisar de palavras. É apoiar sem julgar, é estar sempre de mão dada com o outro mesmo quando fisicamente impossível, é andar lado a lado num caminho que nunca, mas nunca é solitário, mesmo quando não damos conta disso. É olhar para trás e ver sempre o outro nos nossos passos, crescer todos os dias dentro de um corpo projectado onde batem dois corações, é sermos nós, por nós próprios e com o outro, é nunca cobrar o que se dá e ficar sempre agradecido pelo que se recebe. É parar no meio do furacão e conseguir sempre pensar na sorte que temos. É acordar e sorrir, é resmungar pelo espaço na cama, é dividir tarefas; é feito de coisas tão ordinárias, tão comuns, que se torna extraordinário por isso mesmo.
E é bom.