A recente publicação nos diferentes jornais online da posição da ANEM (Associação Nacional de Estudantes de Medicina) sobre o aumento dos números clausus deu origem a um infindável jorrar de comentários nos quais os estudantes de medicina são alvo de crítica e apelidados de escória, fascistas, mercenários - e isto para citar apenas alguns exemplos. Há até quem defenda o fim da profissão (!).
Ora vamos lá ver:
1. Proteccionismo? De quem?
Acusam os estudantes de Medicina de proteccionismo, mas pensem lá comigo:
Licenciatura: 6 anos
Ano Comum: 1 ano
Especialidade: No mínimo 4 anos
Um aluno que esteja agora, por exemplo, no 5º ano, vai estar a acabar a especialidade quando quem entrar no próximo ano lectivo estiver a acabar a licenciatura - e um recém licenciado não tira emprego a nenhum especialista.
2. Proteccionismo? E porque não?
Tentar impedir a formação das pessoas para o desemprego não é um erro. Antes pelo contrário. Todos os professores, advogados e engenheiros deste país deviam ter tido a sorte que alguém pelo menos tentasse fazer o mesmo nas suas áreas. E não me venham com lirismos - ninguém quer estar anos a estudar para ficar sem emprego.
Os números clausus deveriam reflectir as necessidades. Num país onde o Primeiro Ministro é o 1º a assumir a sua incapacidade de mudar a situação económica e pede aos jovens para emigrar, a população em geral prefere voltar-se contra os únicos que ainda parecem ter alguma esperança de empregabilidade - e assim ver o dinheiro dos seus impostos a ser desperdiçado em licenciaturas que, no fundo, são um investimento sem retorno, pois os licenciados não encontram emprego na sua área.
3. Qualidade de ensino - não é mentira, está mesmo a ser posta em causa
As faculdades não são elásticas. De momento, os anfiteatros estão pelas costuras, de forma que os alunos têm muitas vezes que se sentar no chão. É cada vez maior o número de alunos por tutor e sim, isso compromete a capacidade de ensino. Até porque há bom senso - e não se submete o doente a 10 exames objectivos sob mãos diferentes. Assim sendo, perdem-se casos, perde-se experiência.
O meu ano foi o 1º em que não houve autópsias - precisamente por já sermos muitos. Somos tantos alunos nos hospitais que começam a circular piadas do tipo "ficas tu com a metade esquerda e eu com a direita".
Posto isto, não me venham dizer que não interessa a qualidade do ensino ser prejudicada e que isso acontece também noutras licenciaturas. A falta de experiência é o 1º passo na direcção do erro! E é do interesse de todos que os médicos tenham a oportunidade de a adquirir.
Não me venham com conversas - num momento de necessidade, todos queremos que o médico que nos atende seja o mais competente possível. Há, claro, pessoas competentes e incompetentes em todo o lado. Há médicos que não mereciam um ordenado ao fim do mês? Haverá, certamente. Mas há também muitos cuja dedicação e empenho não encontram remuneração suficiente em nenhum escalão de ordenados.
Há queixas em relação à falta de especialistas, mas não vi ninguém contra o aumento de vagas para Medicina Geral e Familiar em detrimento de outras especialidades. A formação complementar nas diferentes especialidades está de momento a ser posta em causa, precisamente porque os hospitais com capacidade formativa não têm capacidades para receber tantos recém-licenciados - pois então que se dê capacidade formativa a outros hospitais. Não há falta de médicos, há má distribuição - e esse deveriam ser a verdadeira luta de todos.
A formação de um médico dura, no mínimo, 11 anos - e gostava de saber quanta gente estaria disposta a semelhante sacrifício para depois ir para o desemprego. E não me venham dizer que quem entra em Medicina o faz pelo dinheiro - há de tudo, como em todo o lado. Se queremos emprego garantido? Claro, como qualquer pessoa, licenciada ou não, quer. Porque haveriam os médicos de ser diferentes?
A população portuguesa, em vez de defender aquele que é o melhor serviço público do país - o SNS - prefere esfregar as mãos de contente perante a possibilidade de os médicos não terem emprego. Já que estamos mal, eles que fiquem mal também.
Num país em que fica tudo indignado porque o ex-primeiro ministro tem um diploma passado num Domingo, não há indignação pelo facto de se estar a por a causa a qualidade do diploma de quem lhes trata da saúde - o que, convenhamos, é capaz de ser bem pior.
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Ora vamos lá ver:
1. Proteccionismo? De quem?
Acusam os estudantes de Medicina de proteccionismo, mas pensem lá comigo:
Licenciatura: 6 anos
Ano Comum: 1 ano
Especialidade: No mínimo 4 anos
Um aluno que esteja agora, por exemplo, no 5º ano, vai estar a acabar a especialidade quando quem entrar no próximo ano lectivo estiver a acabar a licenciatura - e um recém licenciado não tira emprego a nenhum especialista.
2. Proteccionismo? E porque não?
Tentar impedir a formação das pessoas para o desemprego não é um erro. Antes pelo contrário. Todos os professores, advogados e engenheiros deste país deviam ter tido a sorte que alguém pelo menos tentasse fazer o mesmo nas suas áreas. E não me venham com lirismos - ninguém quer estar anos a estudar para ficar sem emprego.
Os números clausus deveriam reflectir as necessidades. Num país onde o Primeiro Ministro é o 1º a assumir a sua incapacidade de mudar a situação económica e pede aos jovens para emigrar, a população em geral prefere voltar-se contra os únicos que ainda parecem ter alguma esperança de empregabilidade - e assim ver o dinheiro dos seus impostos a ser desperdiçado em licenciaturas que, no fundo, são um investimento sem retorno, pois os licenciados não encontram emprego na sua área.
3. Qualidade de ensino - não é mentira, está mesmo a ser posta em causa
As faculdades não são elásticas. De momento, os anfiteatros estão pelas costuras, de forma que os alunos têm muitas vezes que se sentar no chão. É cada vez maior o número de alunos por tutor e sim, isso compromete a capacidade de ensino. Até porque há bom senso - e não se submete o doente a 10 exames objectivos sob mãos diferentes. Assim sendo, perdem-se casos, perde-se experiência.
O meu ano foi o 1º em que não houve autópsias - precisamente por já sermos muitos. Somos tantos alunos nos hospitais que começam a circular piadas do tipo "ficas tu com a metade esquerda e eu com a direita".
Posto isto, não me venham dizer que não interessa a qualidade do ensino ser prejudicada e que isso acontece também noutras licenciaturas. A falta de experiência é o 1º passo na direcção do erro! E é do interesse de todos que os médicos tenham a oportunidade de a adquirir.
Não me venham com conversas - num momento de necessidade, todos queremos que o médico que nos atende seja o mais competente possível. Há, claro, pessoas competentes e incompetentes em todo o lado. Há médicos que não mereciam um ordenado ao fim do mês? Haverá, certamente. Mas há também muitos cuja dedicação e empenho não encontram remuneração suficiente em nenhum escalão de ordenados.
Há queixas em relação à falta de especialistas, mas não vi ninguém contra o aumento de vagas para Medicina Geral e Familiar em detrimento de outras especialidades. A formação complementar nas diferentes especialidades está de momento a ser posta em causa, precisamente porque os hospitais com capacidade formativa não têm capacidades para receber tantos recém-licenciados - pois então que se dê capacidade formativa a outros hospitais. Não há falta de médicos, há má distribuição - e esse deveriam ser a verdadeira luta de todos.
A formação de um médico dura, no mínimo, 11 anos - e gostava de saber quanta gente estaria disposta a semelhante sacrifício para depois ir para o desemprego. E não me venham dizer que quem entra em Medicina o faz pelo dinheiro - há de tudo, como em todo o lado. Se queremos emprego garantido? Claro, como qualquer pessoa, licenciada ou não, quer. Porque haveriam os médicos de ser diferentes?
A população portuguesa, em vez de defender aquele que é o melhor serviço público do país - o SNS - prefere esfregar as mãos de contente perante a possibilidade de os médicos não terem emprego. Já que estamos mal, eles que fiquem mal também.
Num país em que fica tudo indignado porque o ex-primeiro ministro tem um diploma passado num Domingo, não há indignação pelo facto de se estar a por a causa a qualidade do diploma de quem lhes trata da saúde - o que, convenhamos, é capaz de ser bem pior.