22 outubro 2011

Alunos de Medicina - toda a verdade

Quando se fala de Medicina, toda a gente tem alguma coisa a dizer. Toda a gente sabe uma série de coisas, todos dão conselhos. Se é verdade que no futebol há treinadores de bancada, na medicina há médicos de café, de trabalho, de rua, de toda a parte.

O mesmo se passa em relação aos médicos. Ai desgraçado se t'apanho, ai os sacanas, ai que é tão boa pessoa, ai que eu admiro muito os médicos, ai que eu sei mais do que eles, etc.

Já com os alunos, a coisa passa muito pelo ai coitadinhos porque têm muito que estudar, são todos génios (caham...), não têm vida própria são muito dedicados e por aí fora. É mais ou menos dado adquirido que aluno de Medicina que se preze é marrão, queima mais pestanas do que os incêndios de Verão queimam árvores e, enfim, é mais ou menos mal tratado pelos mais velhos, explorado e pau para toda a obra durante o máximo de tempo possível.

Ora isso é tudo verdade mas há mais uma coisa que é preciso fazer sofrer viver. Não basta estudar à bruta, andar a correr pelas enfermarias, rezar aos santos, chatear toda a gente e mais alguma para conseguir finalmente preencher a porcariazinha do papel. Isso é o menos. Estágio que se preze, meus caros, implica passar fome. Assim mesmo.

A prová-lo estão os dizeres que mais frequentemente foram proferidos por mim e colegas nestas 2 semanas, a saber:
- Tenho fome
- Estava com uma fome!
- Ainda não almocei (qualquer hora da tarde entre as 14 e as 18)
- Eu hoje não almocei
- Só estou agora a almoçar (16:30, a apontar para sandes)

E isto de sobreviver à fome é uma arte, que andar por aí a desmaiar por não ter comido não é luxo ao qual aluno de Medicina se possa permitir (mais do que uma vez por mês). Muito menos andar enfermaria fora com o estômago a roncar que nem trator. É tudo uma estratégia de coping, que inclui artimanhas diversas, entre as quais:
  • Ter a despensa recheada de comida que caiba no bolso da bata e qualquer bebida de pacote ou iogurte líquido que caiba na mochila/ carteira
  • Os pacotes de bolachas que se compram (estavam à espera de quê? baguetes?) devem ser constituídos por pacotinhos de bolachas (que obviamente têm que caber no bolso da bata e que não se desfaçam, senão é uma chatice)
  • Ter o estômago treinado para não roncar e um organismo capaz de aguentar estoicamente toda e qualquer fome
  • De preferência e já agora, treinem também a bexiga...
Depois, claro, existem pequenas variantes.

Se estamos numa especialidade médica, a técnica consiste em ter os tais pacotinhos no bolso da bata e, quando a fome aperta, enfiar a mão discretamente, tirar metade da bolacha, metê-la à boca como se fosse um valium e roer a um ritmo de 3000 mastigadelas/ minuto. Em alternativa, podemos enfiar-nos num canto e roer a bolacha toda à mesma velocidade. Qualquer coisa como isto, mas de bata.


Já nas cirúrgicas, pela minha experiência, a coisa é diferente. Há que comer quando se pode e pronto, ter fome não interessa para nada. É preciso é forrar o estômago sempre que possível. Sabe-se lá quando aparece outra oportunidade.

Por isso, meus caros familiares/amigos/colegas/companheiros/ cães e gatos que moram connosco, é provável que durante umas boas semanas ao chegar a casa, a 1ª coisa que sai da nossa boca seja WTF? Que é como quem diz...


(Estavam a pensar que wtf era o quê, hein? Tss tsss.)

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