Tive o bom senso de não me deixar levar pelo furacão emocional que o estado de stress impõe e, tal como previsto, rumar ao S. Jorge para assistir ao espectáculo "O direito à diferença", uma homenagem a António Sérgio.
Abro aqui um parêntesis para esclarecer que ouvi muito o António Sérgio; que o meu padrinho ouvia o Som da Frente. Tal como ouvia Pink Floyd, à semelhança do meu pai, banda que, adequadamente, me acompanhou durante todo o dia da homenagem. É quase coisa de família. E se é verdade que isto dos gostos também se educa, na música, como noutras tantas coisas da vida, também tive os meus mestres. Os programas de autor do painel nocturno da 3, com o Calado, o Álvaro Costa e o Henrique Amaro. E, claro, a Hora do Lobo. Os uivos que irrompiam a madrugada, tantas vezes de luz apagada,a voz grave, a familiaridade, o conforto de um "velho conhecido", a K7 preparada no leitor para o caso de passar aquela música. Não existiam mp3, iPods ou torrents (os meus filhos hão-de achar-me tãããoooo jurássica!). E era da rádio, daqueles programas, daquelas vozes, que vinha a música. Não posso por isso deixar de sorrir ao ver esta lista de músicas "que fazem parte da história de António Sérgio", que é uma espécie de sala recheada de amigos; fico logo aconchegada na Downtown Train do Waits, rendo-me à Atmosphere dos Joy Division, a Winning lembra-me que foi precisamente o álbum do Som da Frente que me apresentou os The Sound, o sabor agridoce e nostálgico da Fade into You dos Mazzy Star, as folhas caídas no October dos U2, o ritmo desenfreado do Sex Beat dos Gun Club. A lista não vai ainda a meio e já pisquei o olho a tantos outros, enquanto registo os poucos que não conheço para depois ir procurar.
Fui, por isso, ao S. Jorge. Não pelas bandas que lá iam, mas para homenagear um dos meus mestres, naquele que seria o dia do seu 61º aniversário. E confesso que estava à espera de uma coisa diferente, já que nisto de homenagens esperam-se discursos, testemunhos, uma lágrima envergonhada a fugir pela face. Mas não foi nada disso. Foi um espectáculo nú e crú, com as bandas a desfilarem pelo palco, sem artifícios a esconderem os cabos trocados nos intervalos, agarradas às guitarras como se aquele fosse o último dia que têm para provar ao mundo que não, o rock não está morto, consegue pôr toda a gente em pé e fazer tremer todas as peças da casa de banho do S. Jorge.
E esta foi, sem dúvida, a melhor homenagem que se poderia prestar a António Sérgio. Uma festa de anos com bandas que ouviu e ajudou a crescer, sem lamechices, elogios fúnebres, palavras de arestas limitadas pela educação; uma festa de anos que encheu as medidas aos presentes e pôs a Ana Cristina Ferrão a dançar toda a noite. Porque as pessoas não são quem apregoam ser; são as atitudes que tomam e o legado que deixam. E o legado de António Sérgio é grande: deu música a muita gente, de todas as idades, como ficou provado ontem no S. Jorge onde uma mão cheia de gente, de teenagers a cinquentenários, o homenageou. Não com um Requiem, mas com umas guitarras bem esgalhadas.
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