Cruzei-me com ela uma vez, numa ida imprevista aos Cuidados Intensivos a meio de uma aula de consulta.
Lembro-me de tudo o que não vou contar porque ninguém merece saber, lembro-me das mãos quentes, do olhar confuso e doente a escurecer os olhos de azeitona. Lembro-me de sair da enfermaria com vontade de dar pontapés nas portas, olhar em frente com os olhos muito abertos para que as lágrimas não caíssem, de ver a parede em frente, branca, e ter vontade de ir contra ela. Lembro-me de dizer ao colega que ficou no corredor e que tem um filho "não entres". Lembro-me do mutismo em que fiquei depois.
Em casa, escrevi-lhe um texto agora perdido algures na blogosfera. Mudei-lhe o nome, mas não fui capaz de lhe mudar a história. Nunca tinha chorado por causa de nenhum doente; não voltei a chorar por mais nenhum. Não fui capaz de voltar lá para saber como tinha ficado. Não quis. Não saberia lidar com nenhum dos outcomes possíveis.
Guardei-lhe a forma do rosto, o nome que lhe dei, tudo o que vi e não conto. Quando nada faz sentido é nela que penso; é dela o rosto que vejo nas noites em que me pergunto se sou capaz, do you have what it takes?, e sei que tenho demais e que, ao mesmo tempo, me falta tanta coisa.
Perguntei-me muitas vezes se valeria a pena tudo o que foi feito na tentativa de a salvar. E nunca soube responder a isto.
Soube ontem, por acaso, que sobreviveu. E que, à maneira dela de criança, está feliz.
Quem sou eu para julgar o que vale ou não a pena?
Sofia, se um dia nos cruzarmos, espero aprender contigo tantas respostas como já aprendi perguntas.
Sê feliz.
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